Escala de cinzas: os curiosos sorvetes sem cor de João Loureiro

Data de publicação: 
03/18/2014
 
Escala de cinzas: os curiosos sorvetes sem cor de João Loureiro
Sorvetes em diferentes tons de cinza na casquinha preta no trabalho "Escala de Cinzas" de João Loureiro
(Foto: Edouard Fraipont)

E se ao visitar a galeria de arte além de ver as obras você pudesse come-las? O novo trabalho de João Loureiro, em cartaz na Galeria Vermelho, em São Paulo, propõe uma reflexão nesta linha: Escala de Cinzas consiste em uma instalação na forma de uma vitrine de sorveteria, que vende sorvetes em seis diferentes tons de cinza.

Ao preço de R$ 10 por cada porção da inusitada versão da sobremesa gelada, os sabores vão do tradicional chocolate ao exótico sorvete de cachaça, passando por creme, limão, graviola e gengibre. Mas se no paladar as opções são variadas, na aparência nem tanto: todos os sabores foram desenvolvidos em uma escala de cinzas, que dá nome ao trabalho, servidos numa inusitada casquinha preta. A intervenção tem despertado curiosidade do público da galeria que, de acordo com Loureiro, se interessa pela novidade por se tratar de um trabalho que pode ser realmente consumido ainda que subverta a expectativa original em relação ao que seria um sorvete de casquinha.

“A subtração de uma informação constituinte de todo sorvete - a cor -, e a agregação do cinza, de maneira similar ao uso recorrente dessa cor na produção da arte atual, é como um signo de uma neutralidade pretendida”, disse João. ARTINFO Brasil conversou com o artista que falou mais sobre o trabalho que pode ser conferido - e saboreado - no espaço de arte paulistano até o final desta semana.

Qual foi o ponto de partida para Escala de Cinzas? Como surgiu a ideia de trabalhar com sorvetes?

O ponto de partida foi um outro trabalho, um picolé feito de madeira pintada, similar àqueles para crianças, divididos em faixas horizontais de diferentes cores e sabores. Esse "picolé Grayscale" era dividido em faixas de tons de cinza, como uma escala. O objeto sobrepunha esses dois sistemas: a organização de uma escala e a organização de um picolé desse tipo. Isso foi no começo de 2012. Um tempo depois fui convidado para fazer uma intervenção pública em Bariloche. Fui o único brasileiro chamado para a exposição - que se chamava In Situ - Arte en el Espacio Publico -  e entendi que isso ocorreu pela importância econômica do turismo brasileiro na região. Por isso, quis intervir em uma loja, em uma instância de consumo. E, informado por aquele trabalho e pelo comércio típico da cidade de Bariloche, decidi pela intervenção em uma sorveteria, alterando seus sorvetes para uma escala de cinzas.

Neste contexto, o que a ausência de cores nestas sobremesas famosas por suas cores, representa?

O sorvete é destituído de uma informação importante na sua identificação. Acho que fazê-los em tons de cinza agrega certa negatividade à situação. Eles chamam a atenção e há curiosidade em consumi-los, mas tem um certo mal-estar envolvido porque aquilo, ao final, não parece comida. De certo modo, acontece uma euforia em torno do trabalho, um trabalho que pode ser comido, literalmente consumido, o que vai de encontro à essa triste expectativa do público... Mas as pessoas acabam comendo aqueles sorvetes cinzas, aquela massa desprovida de vida. É uma cena meio estranha.

Você encontrou alguma dificuldade na produção dos sorvetes nestas tonalidades? Foi preciso usar alguma técnica especial?

Eu trabalhei, nas duas situações em que o trabalho foi montado, com o auxílio de empresas especializadas. Os sorvetes foram desenvolvidos pela Paula, dona da Arte Gelatti, que desenvolve e produz sorvetes para restaurantes. Na Argentina, os sorvetes foram produzidos pela Jauja, tradicional casa da região. Todos os sorvetes produzidos são naturais. A dificuldade foi encontrar o corante adequado - um natural, a base de carvão - e as dosagens para chegar aos tons pretendidos. É um trabalho de precisão, de tentativa e erro.

Como tem sido o reação do público em relação aos sorvetes cinzas? Eles tem sido bastante procurados?

Sim, há bastante procura. Mais do que eu esperava. Mas a procura ocorre porque esses sorvetes estão colocados em uma situação de arte. Eles não são atraentes e acho que não seriam comercialmente viáveis em outro contexto.

Ao final do período expositivo da instalação na Galeria Vermelho, você pretende vender os sorvetes em outro lugar?

Os sorvetes serão vendidos apenas quando o trabalho estiver montado, eles são parte de um conjunto de operações e não fazem sentido fora dali. É preciso que esse consumo se dê dentro de um contexto de arte, de um contexto em que fique caracterizado que se está lidando com um trabalho de arte, e não com comida exótica. Eles não existem dissociados desse tipo de situação. Eles serão vendidos novamente quando o trabalho for montado novamente. O trabalho não é só o sorvete, é também o conjunto das suas características visuais que engloba a exibidora, o modo como o sorvete está ali dentro, as casquinhas e a circulação disso pelo espaço. Uma série de imagens associadas que não dizem respeito diretamente ao consumo do alimento.

Serviço

Escala de Cinzas - João Loureiro

Galeria Vermelho. Rua Minas Gerais, 350 - São Paulo/ SP

(11) 3138.1520

De terça a sexta, das 10h às 19h; sábado, das 11h às 17h

Até 23 de março de 2014

Entrada franca - os sorvetes custam R$ 10 cada